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O inconsciente e o cotidiano


Em minha jornada de vida, até aqui, sempre tive consciência do impacto que as experiências, tanto as positivas quanto as negativas, causam na forma como um indivíduo se relaciona com o mundo. Tais impactos, portanto, proporcionam condições ou ferramentas emocionais para suportar os eventos do cotidiano.

“O impacto limitante dos conteúdos reprimidos para a produção criativa.”

Carlos Renato

Ao primeiro contato com os fundamentos da psicanálise freudiana, contudo, eu me deparei com o conceito do inconsciente e pude ter meus primeiros pensamentos e reflexões sobre os impactos limitantes que as memórias existentes no inconsciente trazem ao desenvolvimento criativo de uma pessoa. Pude, desta forma, iniciar um processo de compreensão do porquê que as trocas de experiências com o mundo, principalmente àquelas que poderiam ser chamadas de negativas, são reprimidas dentro da estrutura psíquica, no Ics, e essas memórias ou conteúdos mesmo não disponíveis no nível consciente podem ser dolorosas, pois a partir de um gatilho disparam reações das mais diversas e provocam neuroses que dificultam o modo de viver. Mais precisamente, nesse caso, neuroses como a baixa autoestima que leva ao bloqueio criativo dadas as censuras sofridas em algum momento da vida e que faz com que seja difícil enfrentar qualquer, mínima que seja, frustração.

Por isso, eu coloco aqui uma pergunta:

  • O que essa dificuldade de não aceitação de um retorno negativo pode causar em um indivíduo criativo?

Acredito que, como forma de obter uma resposta aceitável à pergunta, há a necessidade de conhecer as experiências do indivíduo, sua história, os eventos que levaram ao Ics reprimir esse conteúdo. Dada minha experiência, outrossim, eu acredito que uma das neuroses possíveis, na minha pobre definição e na tentativa de utilizar apenas uma palavra seria o travamento. Esse travamento, portanto, é uma incapacidade do indivíduo em conseguir alterar o seu estado da inércia para se colocar em movimento, em ação e capaz de produzir para deixar extravasar a sua criatividade.

Motivado pelo desejo, instanciado no Id, o indivíduo quer que sua estória seja contada e apreciada em um conto, um livro, ou uma poesia. O indivíduo quer emocionar uma pessoa ou um grupo de pessoas com sua composição musical, ou ainda com a execução de sua obra em seu instrumento musical preferido. O indivíduo está com a potência elevada, está fervilhando de ideias e inspirações, pronto para extravasar e compartilhar seus sentimentos e sua capacidade de criação. O procedimento seguinte seria, simplesmente, pegar um pedaço de papel, um lápis ou uma caneta, ou ainda abrir um processador de textos em um computador e pronto, deixar acontecer, começar, realizar. Por que, então, não é tão simples assim?

A partir do momento em que seria somente começar a fazer, internamente, uma tempestade de negações começa a cair por todos os lados e inundar os pensamentos do indivíduo, fazendo com que a potência seja lavada, esfriada, reduzida a nada. Todas as repressões sofridas são acessadas e inconscientemente ocorre o travamento. As ideias e o processo criativo cessam e não passam de uma vontade, e pior, se represam, se acumulam e se tornam dor, se tornam um sofrimento.

Dos sentimentos que afloram o mais impactante deles é a angústia de querer sair do lugar, de saber que o indivíduo tem condições e ferramentas intelectuais e motoras para mover-se e libertar sua criação, ao contrário, porém, o que acontece é um estado inerte, de paragem, como se estivesse com algum tipo de amarra psíquica. E se está amarrado está limitado, não importa o quão habilidoso seja o indivíduo. Aqui, contudo, um paradoxo se materializa, por mais limitado que esteja para extrapolar a criatividade o cérebro é atingido com mil pensamentos em uma aceleração assustadora.

Não suficiente, para esses mil pensamentos ainda, há o teor negativo de vários deles sendo alimentados com vigor pelo inconsciente do indivíduo. Não pude compreender ainda se é simplesmente fuga ou defesa o que acontece, mas percebi que abala de forma muito profunda o ego, faz com que os conflitos para viver sejam catalisados e faz com que viver seja doloroso, que o tempo custe a passar, faz com que nada que venha de fora do indivíduo seja suficiente e abre caminho para escudos limitantes.

Se um escudo tem como propósito defender ou repelir um ataque, o indivíduo deveria então, sentir-se bem, sentir-se protegido. Na realidade não é isso que acontece. Outros reflexos, porém, passam a consumir o indivíduo como definir-se por ser uma fraude naquilo que faz, em ser alguém incapaz de realizar alguma coisa relevante, o indivíduo passa a desconsiderar qualquer feito ou êxito que tenha atingido, tudo passa a ser irrelevante pequeno demais. Há uma autodesvalorização e um descrédito imenso de si próprio.

A crença em desacreditar de si próprio, portanto, retira a coragem e retira a ousadia em fazer as coisas em se expor e em se experimentar. Esse descrédito leva a pensar que tudo o que o indivíduo faça não tenha valor algum, não seja bom o suficiente perante a avaliação de outras pessoas, talvez o pior, perante a sua própria avaliação. Por causa desse travamento a autoestima fica baixa e enfraquecida e ao mesmo tempo faz com que o indivíduo creia que o feito de qualquer outra pessoa seja maior, mais bonito, mais saboroso, mais qualificado, mais interessante, mais aceito, e de forma geral, é melhor do que qualquer coisa que jamais possa ter feito ou possa um dia vir a realizar na vida.

  • É um caos, uma confusão! Qual foi a cultura, qual foi o ambiente, quais foram os reforços negativos obtidos e em que momento da vida estes conteúdos limitantes foram reprimidos no inconsciente do indivíduo?
  • Por que prejudicam de tal forma a criatividade?
  • Por que afeta para pior a qualidade de vida da pessoa?

A partir deste ponto, que parece ser sem retorno, a vida do indivíduo torna-se uma busca por projetar obras perfeitas, que em nenhuma hipótese seriam rejeitadas por quaisquer que forem os pares avaliadores, independentemente do cenário ou do ponto de vista que estivesse sendo avaliado. Algo unânime. Nesse ponto, também, o indivíduo pretende somente receber respostas, retornos e avaliações impreterivelmente positivas. Que prisão! A prisão do perfeccionismo, do impossível, a prisão da insegurança e de não ser capaz de lidar com frustrações. Infelizmente, ficará só no projeto, não na realização do projeto, porque isso que o indivíduo busca, soa, ser impossível.

O fato de a autoestima estar em jogo e o instinto de autopreservação estar exposto, faz com que o indivíduo não tenha coragem de produzir e correr alguns riscos e se mostrar ao mundo. A falta de coragem em se expressar gera o medo e leva o indivíduo a uma desvalorização de si mesmo e por consequência uma aversão ao risco. Qual resultado esperar? A morte, o cerceamento da criatividade, da produção criativa, da arte, da cultura, da inovação e de uma nova experiência em si.

Carlos Renato


Neuropsicanalista

  1. É assim que me sinto e foi assim que passei a me recuperar. A terapia me ajudou a identificar e conviver com essas memórias.

    1. É tão bom ler estes depoimentos e essas reações. Preciso e vou procurar isso pra mim.

      1. Procure, você perceber a diferença com que a sua vida vai ficar mais leve.