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Um paciente e suas resistências.


A resistência é considerada uma parte natural do processo psicanalítico sendo vista como uma forma de proteção psíquica do paciente contra conteúdos dolorosos ou traumáticos. Conteúdos estes que estão recalcados. A resistência pode assumir várias formas, como evitação de determinados assuntos, esquecimento de informações importantes, silêncio prolongado, mudanças de assunto frequentes, entre outros comportamentos que impedem a livre associação.

“Um Paciente e suas Resistências. O caso R.R.”

Carlos Renato

Para o psicanalista, a resistência é um importante indicador de que o paciente está tocando em questões profundas e significativas. É através da análise e compreensão das resistências que o terapeuta pode ajudar o paciente a explorar conteúdos reprimidos, promovendo a elaboração e o entendimento desses aspectos.

A abordagem psicanalítica busca trabalhar com as resistências de forma cuidadosa e gradual, criando um ambiente terapêutico seguro e acolhedor. O objetivo é permitir que o paciente se sinta à vontade para lidar com os aspectos mais difíceis e dolorosos de sua vida, facilitando o processo de autoconhecimento e transformação.

Contudo, é importante ressaltar, que a resistência não é vista como um obstáculo negativo na psicanálise, mas sim como uma oportunidade de compreender melhor a dinâmica interna do paciente e, consequentemente, auxiliar em seu processo de crescimento e cura psíquica.

Nosso contador de casos, o Hermes, está de volta. Desta vez ele quer compartilhar um caso sobre o paciente R.R. que no início das sessões de terapia apresentou muita resistência, principalmente a:

  • a racionalização.
  • o silêncio.

Vamos conhecer este exemplo. O Hermes nos conta que duas semanas após o paciente R.R. ter feito a entrevista preliminar com a psicanalista foi marcada a primeira sessão de análise. R.R. parecia nervoso, pois se mostrava muito inquieto na sala de espera. Segundo contou a secretária da clínica, ele estava muito nervoso e mal conseguiu se comunicar sobre como proceder o pagamento das sessões e sobre a flexibilidade de horário que lhe interessava. A sala de espera tinha mais dois pacientes aguardando e R.R. estava bem fechado, inclusive sentado balançando os pés e com os dois braços cruzados em frente ao peito. O relógio marcava 14 horas e conforme horário agendado a psicanalista o chamou com simpatia, firmeza e de forma acolhedora:

“- Olá R.R., boa tarde! Vamos lá?” R.R. a cumprimentou saudando à boa tarde, porém, sem olhar nos olhos da terapeuta os dois adentraram no consultório. O analisando escolheu onde se sentar e a analista perguntou:

“- Como o R.R. está se sentindo hoje?” Após alguns segundos de silêncio ele respondeu de forma encabulada: “- Bem, acho que estou apenas lidando com algumas questões do dia a dia.” E não disse mais nada. Mais um pouco de silencio, desta vez, algumas dezenas de segundos e a analista novamente o questionou:

“- Entendo. Podemos tentar explorar um pouco mais sobre o que realmente está acontecendo? Talvez possamos descobrir se há algo mais profundo que esteja lhe incomodando.” De imediato ele respondeu: “- Não sei ao certo. Acho que é apenas o estresse do trabalho e das responsabilidades familiares.” Mais silêncio se fez.

A terapeuta faz uma breve colocação dizendo que compreende que o trabalho e a família possam ser fontes de estresse, mas também sabemos que nem sempre essas questões são a raiz do desconforto emocional. Em seguida perguntou: “- Você sente algum tipo de dificuldade em falar sobre suas emoções mais profundas?”

R.R. disse: “- Eu... não sei. Acho que pode ser difícil me abrir sobre essas coisas.” E o silêncio novamente se fez presente. A terapeuta aguardou um tempo e comentou de forma suave e compreensiva: “- Entendo que possa ser difícil, mas é importante ressaltar que este é um espaço seguro para você expressar seus sentimentos. Você não precisa se proteger aqui.

“- Eu realmente não sei. Sinto que não quero reviver certas memórias dolorosas ou admitir algumas coisas para mim mesmo.”, falou R.R. A analista completou dizendo no mesmo jeito que antes: “- Compreendo que possa ser doloroso enfrentar memórias ou emoções difíceis, mas é através da exploração dessas experiências que você pode encontrar um caminho para se sentir melhor no dia a dia. Estou aqui para te apoiar nesse processo. Se você se sentir à vontade, podemos começar a abordar alguns desses sentimentos desconfortáveis.”

O silêncio foi menor e o paciente reagiu dizendo: “- Eu acho que posso tentar, mas não sei se consigo encontrar as palavras certas.”

“- Não se preocupe com as palavras certas. O importante é que você se permita sentir e compartilhar suas experiências. Estou aqui para te ajudar a encontrar os recursos necessários para que você possa se expressar. Vamos explorar isso juntos!” completou a psicanalista.

Essa foi toda a evolução que aconteceu na primeira sessão. R.R. se despediu da terapeuta, se dirigiu à secretária e marcou nova sessão para a semana seguinte. Chegado o dia da sessão, a terapeuta inicia: “Olá, R.R.! Como tem se sentido desde a última sessão?”

“- Bem! Acho que estou lidando com algumas questões no trabalho. Tenho estado atarefado e isso me ocupa bastante a cabeça.”

A terapeuta então fez um comentário e perguntou com firmeza e cordialmente: “- Entendo que o trabalho possa ser uma fonte de preocupação e ocupar sua cabeça. No entanto, notei que você tende a pensar bastante no que responder quando falamos sobre suas emoções. Será que poderíamos explorar um pouco mais sobre como você tem se sentido emocionalmente em relação ao trabalho?

“- Bem, disse o paciente, eu acredito que seja uma coisa normal eu me sentir estressado com o trabalho, todo mundo passa por isso. Acho que é apenas uma fase e vai passar logo.” A analista interveio após um período de silêncio dizendo: “- Compreendo que o estresse no trabalho seja algo comum, mas será que podemos ir além dessa explicação? Gostaria de entender como você realmente se sente em relação ao trabalho e se há algo mais além dessa visão objetiva que você tem.”

Mais silêncio tomou conta do ambiente até que o analisando falou: “- Eu realmente não sei. Acho que estou apenas tentando manter a cabeça erguida e seguir em frente. Não quero perder tempo reclamando ou me aprofundando demais em questões que não podem ser mudadas.” A terapeuta comentou: “- Entendo que você tenha uma abordagem pragmática, mas às vezes é importante reconhecer e expressar nossas emoções, mesmo que não possamos mudar completamente a situação. Negar ou evitar essas emoções pode causar um acúmulo de tensão emocional.

Em seguida perguntou: “- Será que você poderia me contar um pouco mais sobre como se sente quando está no trabalho?” R.R. foi rápido na resposta: “- Eu sinto um pouco de pressão e muita responsabilidade, mas acho que faz parte é assim com todo mundo por lá. Não é algo que me incomode tanto assim.” Pausa e silêncio, até que ele exclamou em tom baixo e pesado: “- Estou bem!”

“- Entendo R.R. que você possa minimizar a importância desses sentimentos, mas eles podem ter um impacto significativo em sua saúde emocional. Será que poderíamos explorar um pouco mais sobre o que está por trás dessa minimização? Há algo mais que você esteja evitando discutir?

R.R. ficou pensativo por alguns minutos, olhava para o teto, posicionou seu pé em direção à porta de saída do consultório e ficou sentado imóvel. Parecendo desconfortável com o silêncio, ele disse: “- Eu realmente não acho que haja algo mais. Só estou tentando seguir em frente e lidar com as coisas da melhor maneira possível.”

“Entendo que você queira lidar com as coisas da melhor maneira possível.” Disse a analista. “- Mas estou aqui para te ajudar a explorar e compreender suas emoções mais profundas. Se surgir algo que você não se sinta à vontade para compartilhar, saiba que estamos criando um espaço seguro e confidencial para você se expressar.

A sessão se encerrou naquele dia.

Outra sessão se passou com uma leve melhora na livre associação por parte do paciente. Na sessão seguinte, a quarta sessão, R.R. retornou ao consultório de sua psicanalista. “Olá R.R.! Como tem se sentido desde a última sessão?”

“- Sabe que eu estou bem melhor!” Ele parecia mais animado e com ar mais leve desde a última sessão. Continuou: “- Tenho dificuldades de me expressar desde que eu era pequeno. Sinto medo de falar e medo de ser humilhado. Prefiro ficar quieto ao sofrer represálias.”

R.R. continuou: “Ai! é muito difícil falar sobre isso..., mas eu fico me lembrando dos abusos que sofri na infância. Eles aconteceram por um período prolongado e deixaram cicatrizes profundas.” Fez-se um pouco de silêncio até que a terapeuta disse: “- Fico feliz em ver que você está começando a se abrir mais. Sei que pode ser difícil falar sobre traumas e abusos, mas é um passo importante no processo de cura. Quando você se sentir pronto, estou aqui para ouvir e apoiar.”

“Eu nunca falei sobre isso antes..., eu sempre tentei deixar essas memórias de lado e seguir em frente. Mas hoje estou com 42 anos e sinto que elas ainda têm um impacto enorme em mim. Sinto medo, raiva e culpa, como se de alguma forma eu fosse responsável pelo que aconteceu. Sempre que eu e meus irmãos fazíamos alguma coisa que não agradava ao meu pai nós éramos vítimas de agressões físicas, como espancamentos e surras. Eu tinha vergonha de sair na rua.”

Sua associação livre se manteve: “Eu, principalmente, ficava escutando xingamentos e palavrões. Eu era sempre chamado de imprestável e de inútil que não fazia nada certo. É muita humilhação ouvir os berros constantes e viver debaixo de ameaças. Acordar sabendo que vai ouvir gritos e levar cacetadas. Às vezes eu dormia sem tomar banho e apanhava por isso, mas lá em casa não tinha chuveiro tinha que esquentar a água na panela e tomar banho de bacia, só que eu não podia esquentar água sozinho tinha que esperar que o adulto fizesse. Eu não passei fome, mas não me recordo de ter recebido afeto e atenção do pai e da madrasta. Minha mãe morreu quando eu tinha 2 anos de idade.”

R.R. parou e a sessão estava quase acabando. A terapeuta então disse após ouvir e observar atentamente os relatos dele: “- Eu sinto muito que você tenha passado por experiências tão dolorosas na infância. Levará tempo para explorarmos esses traumas juntos, mas estou aqui para te apoiar durante todo o processo. Se você quiser compartilhar mais sobre essas experiências, fique à vontade. É compreensível que você tenha tentado esconder essas memórias dolorosas como uma forma de autoproteção. Mas agora que você está disposto a explorar esses sentimentos, podemos trabalhar juntos para compreender o que acontece e ajudar na sua cura. R.R., você não é culpado pelo que acontece, o abuso é sempre responsabilidade do agressor e você merece apoio e cuidado para lidar com as consequências emocionais dessas experiências.”

R.R. falou: “- Obrigado por dizer isso..., sinto um misto de alívio e medo ao falar sobre isso. É como se eu estivesse desenterrando algo que tentei esquecer por tanto tempo.

A psicanalista concluiu: “- É normal sentir uma mistura de emoções ao confrontar traumas passados. O processo pode ser doloroso, mas também pode ser libertador. Ao trazer à tona essas experiências, você está começando a processá-las e a reconstruir uma narrativa mais saudável sobre sua história. Estou aqui para te ajudar a percorrer esse caminho.” A sessão se encerrou, porém, o tratamento de R.R. continuou por mais um longo tempo.

Neste caso contado pelo Hermes, vimos como as resistências de racionalização e silêncio inicialmente apresentadas pelo paciente R.R. foram abordadas pela psicanalista, permitindo que ele começasse a explorar e compartilhar traumas e abusos sofridos na infância. Ao longo das sessões, a terapeuta demonstrou empatia, apoio e compromisso em ajudar R.R. a lidar com suas emoções.

No entanto, e importante destacar que o processo terapêutico em casos de trauma e abuso pode ser longo e desafiador. O paciente precisa se sentir seguro e confiante para discutir essas experiências dolorosas, enquanto o terapeuta desempenha um papel fundamental na criação de um ambiente terapêutico acolhedor e de confiança.

Portanto, a análise irá ajudar a lidar com o impacto emocional do trauma e a promover o bem-estar psicológico, permitindo que a pessoa se reconstrua e encontre uma maior resiliência diante das adversidades que enfrentou e melhore sua interação com o mundo em que vive.

Carlos Renato


Neuropsicanalista

  1. Agradeço o exemplo dado nesse post. Foi muito útil para entender o porquê eu tenho dificuldades em permanecer mas terápias. Só tentei duas vezes, vou tentar mais uma.

    1. Eu sempre recomendo que tente pelo menos três vezes. Não desista! Busque ajuda para encontrar o autoconhecimento. As vezes pode não ser pela psicanálise, proure outras alternativas se a psicanálise não foi lhe atendeu. O que importa é você viver bem!

      1. Eu passei por isso. Hoje, na quarta tentativa encontrei uma psicanalista que me ajuda muito. Estou há 8 meses em terapia.